ALFABETIZAÇÃO OU LETRAMENTO?
Autora: Maria Luisa Schneider
ALFABETIZAÇÃO OU LETRAMENTO?
KIECKHOEFEL, Josiane C.Da alfabetização ao Letramento. Massaranduba: IESAD, 2011.
OU ISTO OU AQUILO
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo
se saio correndo ou fico tranquilo
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Cecília Meireles
Inicialmente, gostaria de parabenizar a professora Josiane Cardozo Kieckhoefel, pela sua explanação neste artigo e afirmar que realmente há uma “relativa” preocupação por parte dos professores que trabalham no Ensino Fundamental sobre este tema. No entanto, esta preocupação não é (e nem deveria ser) somente deste nível de ensino, pois a Educação Infantil, o Ensino Médio e até mesmo as faculdades estão preocupadas com os resultados observados na aquisição deste processo.
Na Educação Infantil, ainda que a alfabetização não seja trabalhada de modo sistemático, ela de certa forma inicia desde bebê, pois já temos “escolas” que acreditam que o acesso a “cultura escrita” seja possível desde a mais tenra idade. Estas ações certamente são consideradas relevantes para o processo de construção da leitura e escrita.
Quanto a discussão se o termo a ser usado era “alfabetização ou letramento”, só serviu para que se parasse tudo o que (os professores) estavam fazendo para se deter ao significado do termo. Segundo Emília Ferreiro “a palavra letramento é tradução de literacy. Em sua origem, ela significa alfabetização e muito mais”. Mas para esta pesquisadora letramento não é a melhor tradução para literacy mas sim
[...] cultura escrita. E isso não tem início depois da aprendizagem do código. Se dá, por exemplo, no momento em que um adulto lê em voz alta para uma criança — e nas famílias de classe média isso ocorre muito antes do início da escolaridade. Ou seja, o processo de alfabetização é desencadeado com o acesso à cultura escrita.
Então, Ferreiro, ao ser perguntada se o letramento representa um conceito novo ou é apenas um modismo, esta responde:
Há algum tempo, descobriram no Brasil que se podia usar a expressão letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa a perceber a função social do texto [...].
Na sua visão, pode ser usado o termo “letramento no lugar de alfabetização”, mas o que ela não aceita é “a coexistência dos dois termos, isto é que não funciona”.
Penso que a ideia de que as crianças possam chegar a um nível de escrita em que possam ler e entender o que estão lendo e escrevendo, é simplesmente atingir a tradução mais fidedigna do que já escreveu Vygotsky. Contudo, este pesquisador faz algumas ressalvas que ainda não têm sido consideradas pela grande maioria de professores, ou seja, que
[...] o ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem necessárias às crianças. Se forem usadas apenas para escrever congratulações oficiais para os membros da diretora da escola ou para qualquer pessoa que o professor julgar interessante (e sugerir claramente para as crianças) então o exercício da escrita passará a ser puramente mecânico e logo poderá entediar as crianças; suas atividades não se expressarão em sua escrita e suas personalidades não desabrocharão. A leitura e a escrita devem ser algo de que a criança necessite. (VYGOTSKY,1996, p.155-156).
Esta é a maior contradição da escola, pois em pleno século XXI, as práticas que observamos revelam que ainda não compreendemos seus estudos e que:
[...] a escrita é ensinada como uma habilidade motora e não como uma atividade cultural complexa. Portanto, ensinar a escrita nos anos pré-escolares impõe, necessariamente, uma segunda demanda: a escrita deve ser “relevante à vida”- da mesma forma que requeremos uma aritmética “relevante”. (VYGOTSKY,1996, p.156).
Embora as publicações desta teoria sejam bastante divulgadas e conhecidas, ainda se faz necessário uma maior apropriação e reflexão sobre o seu conteúdo, sobre o que verdadeiramente seja “uma leitura e uma escrita relevante à vida”. Esta escrita deve:
[...] ter significado para as crianças, de que uma necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida. Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá não como hábito de mão e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem. (VYGOTSKY,1996, p.156).
Mesmo sem a criança estar lendo, ela deve ter contato com o maior número possível de materiais gráficos. Cartazes com alfabeto, poesias, histórias, cartazes de eventos, propaganda, rótulos, livros infantis, todos se constituem materiais extremamente importantes para serem explorados pelos alunos, favorecendo o agir da criança sobre o objeto: escrita.
É necessário, também, trabalhar o uso social da escrita, abrindo espaço para discutir com a criança: por quê se escreve, o que se escreve e para quem se escreve. Escrever recados, listas, relatórios (de jogos, passeios) são formas da criança perceber que a escrita tem uma função comunicativa e que é necessário colocar as letras em uma certa ordem para que tenham significado e possam ser lidas.
Lendo e escrevendo é que aprendemos a ler e a escrever. Por isso, é importante que haja tempo para a criança ler, para falar, para escrever. Tempo, também, para jogar, pois o jogo, além de representar um desafio é extremamente significativo e sabemos que uma criança que se sente desafiada dentro de suas possibilidades, tem o prazer em resolver problemas e, consequentemente, aprender.
Jogos com letras, sílabas, palavras, favorecem o avanço da criança para a hipótese alfabética de escrita; uma vez que é preciso combinar, comparar, relacionar, associar letras para formar palavras.
Isto reforça a ideia de que respeitar as hipóteses de pensamento de uma criança não é cair no espontaneísmo e deixá-la fazer o que quiser, quando e como quiser. Ao contrário, torna mais efetiva a tarefa do professor, que assume o seu papel de mediador do conhecimento.
O professor é, para a criança, o modelo de pessoa que pensa e ele só irá favorecer o desenvolvimento da inteligência desta criança, quando oferecer ocasiões em que ela possa pensar e agir.
Para tanto, é preciso estar muito bem fundamentado teoricamente, conhecer a língua, para poder intervir e enriquecer a produção escrita da criança, pois sabemos que só o fato de a colocarmos em contato com materiais escritos não é suficiente para garantir que esta criança vá aprender.
Além disso, existem algumas convenções da língua escrita que não resultam de construção e que precisam ser ensinadas, como letra maiúsculas e minúsculas, espaço, tipologia das letras. Mas o que se percebe é que a criança que tem o privilégio de poder se expressar e produzir, a partir de suas hipóteses, evidenciam um domínio da língua escrita e um produto textual muito rico, mais cedo; conseguindo superar aspectos figurativos facilmente, como direção da escrita, linearidade e perfeição da cópia.
É acreditando que as crianças são capazes de aprender e que somos responsáveis, em parte, pela leitura que fazem do mundo, que formaremos cidadãos capazes de conduzir as sociedades do futuro.
Ms. Maria Luisa Schneider
Blumenau – APAE – 2011
REFERÊNCIAS
FERREIRO, Emília.Alfabetização e cultura escrita. Entrevista concedida à Denise Pellegrini. In: Nova Escola – A revista do Professor. São Paulo, Abr-mai/2003, pp. 27-30.
KIECKHOEFEL, Josiane C.Da alfabetização ao letramento. Massaranduba: IESAD, 2011.
MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
http://www6.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/emilia-ferreiro-alfabetizacao-e-cultura-escrita/