O ENCANTO E O ORGULHO DE SER UM PROFESSOR ALFABETIZADOR
Autora: Pamela Müller
O ENCANTO E O ORGULHO DE SER UM PROFESSOR ALFABETIZADOR
KIECKHOEFEL, Josiane Cardozo. Da alfabetização ao
letramento. 64p. Massaranduba. IESAD, 2011.
O texto que segue é uma resenha do artigo referenciado acima que aborda a alfabetização e o letramento. O artigo apresenta importantes esclarecimentos sobre o tema, nos possibilita uma maior aproximação com a etapa de ensino que diz respeito a alfabetização e nos permite compreender como a criança se vê nesse processo e como podemos inserir da melhor forma nossos alunos no mundo letrado. Sou professora alfabetizadora na rede municipal de ensino de Joinville. Quero relatar desde já quão prazerosa foi a leitura do artigo e como o meu conhecimento prévio a respeito da alfabetização e letramento pode ser reconstruído e incorporado.
Nos tempos de faculdade eu sempre dizia temer um dia lecionar para classes de alfabetização, pois me parecia algo muito complexo tornar leitores e escritores alunos que chegam à classe de seis anos sem conhecer o alfabeto. Iniciei como professora há um ano e meio e desde então leciono para turmas de primeiro ano. Todo o medo de encarar o desafio de alfabetizar desapareceu e deu espaço ao encanto e ao prazer de poder fazer parte dessa fase tão importante na vida das crianças.
Meus alunos têm vontade de aprender, têm ansiedade por poder ler, saber o que está escrito e saber escrever. Trabalhamos com a caixa alta, mas muitos, por conta própria, já fazem suas tentativas na letra script e cursiva. No início do ano recebemos muitos alunos que não frequentaram escolas de Educação Infantil e, portanto, já chegam com dificuldade por não terem tido acesso a importantes conhecimentos trabalhados nessa etapa. Isso às vezes me causou preocupação e me fez pensar se eu seria capaz de recuperar o tempo perdido fazendo-os acompanhar o trabalho de sala de aula. O processo de recuperação acontece a passos lentos, mas os avanços, mesmo que pequenos, causam uma certa euforia no aluno e posso dizer que enchem meu coração de orgulho.
Aliás, me orgulho de todos meus alunos, todos não somente somos capazes como também somos dedicados, esforçados e dignos de todos os elogios. Sendo professora da classe de seis anos eu posso dizer que me sinto importante. Meus alunos me dão um amor incondicional e eu os amo da mesma forma. Quero ensiná-los não só porque preciso ensiná-los. Mas porque acredito neles e acredito que as sementinhas que estão sendo plantadas agora em meio ao afeto e união que há em nossa sala irão gerar e render lindos frutos durante toda a vida deles e a minha também. A oportunidade de ser alfabetizadora, não só me fez ver que não há motivos para temer, como também me proporcionou ir de encontro com o que eu sempre sonhei quando eu dizia querer ser professora.
O professor precisa se ver integrante do processo educativo. Há muito já não existe o professor dominante de um conteúdo previamente elaborado e os alunos esperando por esse novo conhecimento para acumular junto aos que já possuem. O professor precisa seguir sua ementa de conteúdos, mas o conhecimento é construído com os alunos. Nesse processo o professor faz parte e o aluno faz parte, ambos crescem e aprendem e porque não dizer que ambos também ensinam, afinal quantas coisas aprendemos com nossas crianças. Voltar a sonhar sem medo, a brincar sem controlar os minutos no relógio, a saber perdoar rapidamente, a abraçar com vontade, a não ter vergonha e a aproveitar todas as coisas boas que nos são oferecidas.
Às vezes deixamos nossa ansiedade de professor em ver resultados falar mais alto e acabamos assim tentando forçar a aprendizagem da criança. Não podemos esquecer que cada criança tem seu tempo. Muitas vezes nossas inúmeras tentativas não dão resultado num ano ou semestre e no próximo a aprendizagem simplesmente acontece, sem muito esforço.
Professores têm sempre algo novo a aprender. Mas para isso o professor precisa se permitir aprender e buscar novos conhecimentos. Assumir o papel de eterno pesquisador pode parecer a primeira vista algo cansativo e injusto quando comparado a outras profissões. Mas como em toda aprendizagem significativa o professor se transforma cada vez que reconstrói sua visão de mundo e melhora seu desempenho quando adquire novos conhecimentos e incorpora os que já possui. Ou seja o professor é um profissional que se quiser sempre cresce.
Todos nos reconstruímos a cada dia mediante as oportunidades de aprendizagem que nos surgem. O conhecimento não só aumenta nosso saber como também nos dá a chance de transformação pessoal e do ambiente que nos rodeia. Esse poder atribuído ao conhecimento não é algo muito recente. Após a revolução francesa, aproximadamente em 1789 iniciou-se o processo de ensino e aprendizagem de leitura e escrita, ou seja a alfabetização. Mas até então o conhecimento só era possibilitado a poucos. Já era um fato o poder que o conhecimento dá as pessoas. Possibilitar o acesso da grande massa ao conhecimento colocaria em risco o prestígio da pequena elite dominante. Assim populares poderiam deixar seu papel de seres submissos e questionar os porquês da dominação a qual eram expostos. Esses recebiam então somente os saberes necessários à sua função no local de trabalho.
Por volta da primeira metade do século XX, a discussão se dava exclusivamente ao como se ensinava. Procurava-se então o melhor método para ensinar a ler; pois acreditava-se que o fracasso tinha relação com o uso de métodos inadequados. Em locais como Europa e América do Norte houve uma discussão entre os defensores de dois métodos, o Método Global e o Método Fonético.
De acordo com o Método Global o melhor era oferecer ao aluno a totalidade, palavras, frases ou pequenos textos, para que ele, após análise, chegasse às partes, que são as sílabas e letras. Já no Método Fonético, por sua vez, o aluno deveria aprender primeiro as letras ou sílabas, e o som das mesmas, para depois chegar a palavras ou frases curtas e, por último a textos.
Em nosso país tentou-se um método misto. Com a junção dos dois métodos criou-se as conhecidas “cartilhas”, com pequenos textos, frases desconexas à realidade do aluno e o trabalho com as famílias silábicas. Por vota dos anos 60 o fracasso escolar começou a ser nítido preocupando responsáveis pela educação. Os métodos utilizados deixaram de ser o foco dando espaço às causas do fracasso escolar.
As explicações para as causas do fracasso escolar não estavam sendo fáceis de ser encontradas. Como não estava sendo possível alfabetizar todos os alunos, acabou sendo atribuído a estes ou às suas condições de vida a causa de sua suposta incapacidade de aprender.
Era comum acreditar que alunos com mais condições de vida teriam mais facilidade em aprender por ter mais acesso às informações e ao mundo letrado. Em contra partida alunos provindos de uma família com menos condições teriam acesso restrito e por conta disso teriam menor desenvolvimento na aprendizagem.
Quanto a esse assunto penso ser apropriado um comentário referente à realidade em que me encontro. A escola onde leciono se localiza na parte mais carente de um dos bairros mais precários e com maiores índices de violência da cidade. Nossa escola, mesmo com professores capacitados e competentes, não consegue alcançar os índices de aprendizagem de escolas localizadas em melhores áreas da cidade. Muitos de nossos alunos têm histórias tristes, feridas ainda não cicatrizadas, maus exemplos em casa, pais negligentes que deixam seus filhos sem higiene, sem limites e sem amor. O emocional interfere na aprendizagem, muitos não estão sentados na cadeira em sala de aula com a certeza de que são amados, de que terão alguém os esperando afetuosamente em casa ou de que terão o que comer além da merenda escolar.
Conquistar nossos alunos é mais difícil. Nem todos estão acostumados com carinho, nem todos estão abertos aos nossos gestos afetuosos. A aprendizagem se torna mais difícil, pois muitas barreiras precisam ser transpostas todos os dias. Barreiras que vão desde a falta de material (por parte do aluno e por parte da escola) ao sofrimento de uma criança que acabou de perder alguém da família por abandono, prisão ou morte. Eu, professora dessa escola, vejo em minha sala de aula que há diferença entre alunos que são acompanhados em casa pelos pais, que recebem amor e limites e alunos que os pais não destinam preocupação em relação à sua conduta, higiene, alimentação ou aos seus sentimentos.
Não podemos usar isso como justificativa para as dificuldades de nossa escola. Todo aluno tem direito de aprender independente da enorme complexidade envolvida no processo por conta dos problemas pessoais que a criança já traz consigo. Nós professores nos esforçamos para tal, mas estamos muitas vezes sozinhos nessa luta. Se quisermos fazer uma aula diferente normalmente temos que gastar do nosso dinheiro para a compra de materiais. Até para as coisas mais básicas e rotineiras do trabalho em sala encontramos barreiras. Grande parte dos alunos não traz lápis, borracha, tesoura, cola. A escola não dispõe desses materiais, o aluno não traz, quem gasta então é o professor.
O primeiro enfoque foi no método, o segundo nas causas do fracasso e o próximo enfoque foi então em tentar descobrir como o aluno aprende. Foi necessário rever os conceitos sobre alfabetização. Já não se podia mais ensinar como antes. Não era mais possível fechar os olhos para as consequências provocadas pela diferença de oportunidades que marcavam as crianças com dificuldade. Essas não poderiam ser destinadas ao fracasso. Todos têm o direito de aprender. Professores e gestores precisam contemplar todos os alunos em um planejamento com fins emancipatórios.
No intuito de explicar como a criança aprende o artigo apresenta as fases do desenvolvimento infantil segundo Jean Piaget: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. Também apresenta as hipóteses de escrita segundo Emília Ferreiro: pré-silábica, silábica (com valor e sem valor), silábica-alfabética e alfabética. Traz uma importante explicação sobre o construtivismo, alfabetização e letramento.
Nós professores temos em nossas salas não somente alunos, mas sonhos e futuros. Sujeitos singulares que merecem e precisam de atenção, compreensão e comprometimento dos professores com relação à sua aprendizagem. Professores alfabetizadores precisam estar estimulados e estimular seus alunos constantemente. Para o aluno ser inserido no mundo letrado precisa passar por um caminho de magia e encantamento. Encantado ele aprende o alfabeto, a junção de sílabas, forma palavras e frases. De pequenos textos ele começa fazer suas próprias produções, cada vez maiores e mais elaboradas. Para isso o aluno precisa se sentir seguro, confiar em si, no professor e saber que pode errar. Assim terá vontade de recomeçar e refazer, pois se sentirá também responsável por seu sucesso e terá orgulho de si mesmo, pois será capaz de perceber sua melhora.
Pamela Müller
Joinville - 2011