PROFESSOR: CRIADOR DE OPORTUNIDADES

Autora: Pamela Müller Stock

  

 
 
PROFESSOR: CRIADOR DE OPORTUNIDADES
 
 
Pamela Müller Stock
Ms. Leomar Kieckhoefel
 
 
RESUMO
 
 
A presente pesquisa é um relato sobre o trabalho do professor em escola situada em área de risco. Elenca barreiras que dificultam o trabalho pedagógico e também traz possíveis saídas e a importância do resgate ao sonho que nos levou a essa profissão e o amor por ensinar. É uma pesquisa de caráter bibliográfico que traz contribuições de diferentes autores sobre transformação, emancipação e vivência social, sobre o papel do educador e a importância deste na construção do caráter e da visão de mundo de seus alunos. Num primeiro momento é feita uma menção pessoal quando há um relato sobre a escolha da profissão e dos esforços para continuar e sempre me renovar nela. Em seguida trago um pensamento sobre a vivência em sociedade e a formação e constituição das áreas de risco. Após há uma abordagem sobre o papel e a atuação da escola e professores nessa comunidade ressaltando as dificuldades, as necessidades e os anseios. E por fim é feito um enfoque ao amor do professor que estando presente em suas ações e pensamentos pode vencer barreiras e batalhas, salvar vidas e sonhos. A pesquisa instigou a reflexões, a viagens ao meu interior e as minhas lembranças e fez-me perceber que as dificuldades me fazem crescer, que o amor dos meus alunos me faz crescer e que estar ali não é obra do acaso, assim como eu busco transformações também sou transformada constantemente.
 
 
Palavras-chave: Profissão Professor. Escola.  Área de Risco. Compromisso. Amor.
 
 
 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO
 
Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou
um ser condicionado mas, consciente do inacabamento,
sei que posso ir mais além dele.
 
Paulo Freire
 
Quando pensei em algum tema para escrever não consegui me identificar com temas prontos, com pormenores da área pedagógica em que eu precisasse apenas pesquisar e relatar o pesquisado. Busquei algo que me fizesse pensar e que me levasse a descobertas que pudessem auxiliar em minha prática.
Nos quatro anos de faculdade de Pedagogia trabalhei na área administrativa, com papéis e não pessoas, com resultados e não conquistas. Algo que culminou em uma certa problemática em minha vida acadêmica, por mais que eu aprendesse muitas coisas novas eu não tinha uma prática para compartilhar. Observando minhas colegas chegarem cansadas, com reclamações dos alunos, do salário e das condições de trabalho eu pensava se estar ali era o caminho. O sonho de um mundo cor de rosa que eu sempre idealizei quando pensei em ser professora se deparava com uma realidade desanimadora.
Encontrei uma luz quando fui convidada a escrever um artigo sobre a Pedagogia histórico-crítica. Em minhas leituras e pesquisas fui me deparando com a educação que imaginei quando disse que um dia seria professora. Uma educação que não lembra as práticas ativistas, que não coloca o professor como um mero trocador de fraldas e ensinador de contas de matemática. Ali vi na educação uma força transformadora. Transformei-me enquanto pesquisava para escrever o artigo e sei que hoje transformo meus alunos com o amor que tenho pela minha profissão.
Há professores que reclamam e há professores que amam. Sim há professores que apesar de todas as dificuldades e barreiras simplesmente amam o que fazem. Hoje eu sou uma professora que diz de todo coração que ama ser professora, que ama seus alunos e que acredita que a educação pode transformar vidas. Não é só o salário que sustenta meu amor, o amor dos meus alunos sustenta o meu amor e hoje eu digo que não há profissão que me faria mais feliz e realizada.
Atualmente leciono em uma escola pública em uma área de periferia marcada por violência, drogas e pobreza. Muitos dos meus alunos sofrem as consequências de viverem nesse ambiente, encontrando o perigo que vemos na televisão nas suas próprias casas. É dentro dessa problemática que busco desenvolver meu artigo. Busco saber como trabalhar para essa comunidade que tanto precisa, sem desanimar frente a tantos obstáculos e sem nunca perder o foco que é o meu aluno.
 Minha ação docente poderia ser mais fácil em uma comunidade com outra realidade, mas sou feliz por lecionar em uma escola que precisa de mim, por ensinar quem precisa dos meus ensinamentos e por amar alunos que precisam do meu amor.
Busco nesse artigo pensar a realidade da educação, a realidade da comunidade onde está inserida a escola onde leciono e pesquisar formas de modificar positivamente vidas que precisam de um caminho menos árduo, de possibilidades e oportunidades. Meu artigo aborda a importância de pequenas ações que às vezes achamos serem mínimas e desnecessárias, mas que são o início para grandes mudanças.
 Também trago resultados de pesquisas bibliográficas sobre o que a escola pode fazer para agir na vida de seus alunos e possibilitar que esses ajam em seu ambiente. Um resgate ao amor que precisa estar presente na pessoa professor, o amor à profissão, o amor ao aluno, o amor no que faz. Um amor que gera amor, que gera confiança, que gera transformação.
 
 
2 RESPONSABILIDADE E COMPROMISSO SOCIAL
 
 
Viver em sociedade é algo que a primeira vista nos parece fácil. Mas quando analisamos pormenores percebemos que existe uma grande problemática envolvida. Para vivermos em sociedade precisamos compreender que temos direitos e deveres, compreender que existem regras que foram feitas para garantir a boa convivência e a tranquilidade de todos. Infelizmente há aqueles que clamam por seus direitos, mas que reclamam de seus deveres e muitas vezes não o cumprem. Há aqueles que cumprem com seus deveres, mas que acabam não tendo a oportunidade de gozar de todos seus direitos. Freire (2006, p. 19) faz uma ressalva sobre nosso papel na sociedade: “como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo”.
As áreas mais carentes são formadas muitas vezes por famílias que não tiveram uma vida tão regrada e que apresentam uma carência de valores que acaba refletindo em atitudes e visões de mundo não muito benéficas à sua vida particular e social. É forte o índice de desemprego devido também a baixa escolaridade, grande número de filhos sem condições financeiras para proporcionar-lhes boa educação e alimentação adequada. Gravidez na adolescência gerando uma nova família constituída sem os alicerces necessários, moradias não regularizadas e que não oferecem muitas vezes nem as condições de higiene necessárias, pais que perdem o controle por seus filhos deixando-os no mundo das drogas e da violência. Maus exemplos em casa que colocam barreiras na ação pedagógica do professor transformador e que condicionam o aluno ao caminho não esperado. Famílias que vêm de fora da cidade e do estado em busca de melhores condições e que ao encontrar-se numa comunidade tão carente acabam engrandecendo essa massa que se mostra em uma posição de necessidade, que clama por seus direitos e por ajuda muitas vezes com discursos não embasados e não fundamentados, sem cumprir com os deveres mínimos de um cidadão para com sua cidade.
Arpini (2003, p. 22) citando Moscovici (1978) faz uma menção a respeito de como os sujeitos encaram o seu papel na sociedade:
 
[...] a representação social está vinculada a um sistema de valores, noções e práticas que dão ao indivíduo formas de se orientar no mundo, de maneira que o estudo das representações nos permite ver a forma como o indivíduo percebe sua realidade e sua interação com os demais. E é essa representação social construída que orienta o comportamento do indivíduo no seu fazer cotidiano.
 
 São providenciados benefícios financeiros e melhorias na localidade. Igrejas e entidades se organizam para obras sociais de caridade. Mas o papel transformador nessa realidade não parte da caridade, da ajuda financeira que vem reparar problemas mais expostos e visíveis. É como a ação do “apagar o fogo” para as necessidades mais urgentes sem resolver na verdade o problema. A transformação parte de possibilitar que o sujeito possa aprender a melhorar sua vida, sua condição social, sua visão de mundo, que possa construir seu discurso transformador e com seu trabalho e suas novas ações, desta vez alicerçadas em valores, possa modificar o ambiente em que está inserido.
Cabe aqui uma citação de Chalita (2005, p.11) que faz uma explanação a cerca da problemática social e seus agravantes:
 
Acreditamos que as dificuldades, os conflitos, as guerras e a intolerância que gradativamente se apoderam do mundo são resultado dessa total inversão de valores que predomina nas sociedades – configurando um tempo em que até mesmo a esperança parece estar mais escassa. Cabe a nós estarmos conscientes da importância do nosso papel e amparar, reerguer, reavivar os sentimentos, valores e atitudes que poderão renovar a confiança em dias melhores.
 
Penso que posso fornecer ao meu aluno uma educação de qualidade. Uma educação baseada no respeito, no caráter, nos valores, no amor e na beleza de sonhar, sonhar que é possível uma realidade diferente, que drogas, violência, agressões físicas e verbais, fome, não precisam fazer parte de nossas vidas. Acredito que o aluno que teve uma vivencia educacional feliz irá querer continuar estudando, conseguirá um emprego, saberá o que pode ou não fazer, o que lhe fará bem ou não e servirá de exemplo para os que lhe rodeiam. Saberá a importância de respeitar a si mesmo, as outras pessoas e a natureza. Freire (2006, p.54) faz uma importante consideração sobre a possibilidade que temos de apesar de todos os condicionantes sonhar e buscar realizar:
 
Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação para o comprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam.
 
A última frase da citação ‘os obstáculos não se eternizam’ remete a mim enquanto professora de uma escola em área de risco, esperança. Os resultados serão vistos em um tempo longo e demorado e tudo parecerá muito complexo, mas nenhum dos condicionantes é eterno e sim, transformar é possível. E para complementar cabe uma citação de Luckesi (2005, p. 33), afirmando que “Com imaginação e comprometimento afetivo-ideológico e uma constante meditação sobre a sua prática, o educador conseguirá encontrar os meios para atingir os fins”.
 
 
 
 
3 A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA PARA A TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE
 
 
Quando tratamos de educação em uma comunidade carente, marcada não somente por pobreza, mas também por drogas e violência, precisamos de uma escola forte. Uma escola também carente não resistirá a todas as exigências da missão e dificilmente conseguirá suprir todas as necessidades da comunidade.
Essa escola precisa ter profissionais preparados, não somente em conhecimento, mas também em paciência e amor. Profissionais que compreendam que os resultados são mais demorados e a trajetória é mais árdua. Que compreendam e aceitem que as crianças têm uma carência muito grande, e acabam tendo o professor como uma extensão da sua família, alguém que ouve suas histórias, seca suas lágrimas, se preocupa com sua alimentação, encapa seus cadernos, fornece materiais escolares básicos (prática que não é mantida por muitas famílias e que também passa a ser papel do professor nessas comunidades) e faz crerem que são capazes e que o mundo é menos escuro do que se imagina. Professores que, de acordo com Ramos (2010, p. 25) invistam na pessoa humana “ acreditando que cada um tem um potencial e limites, mas que, nesta diversidade, todos aprendem”.
Uma escola nesta perspectiva precisa ser assistida pela secretaria responsável pela educação, ela tem mais problemas que a maioria das escolas, problemas esses que acabam prejudicando a aprendizagem e refletindo no mau desempenho da escola. Haverá maior índice de evasão, reprovação e violência dentro da escola, os próprios pais agirão com mais agressividade, haverá mais alunos com dificuldade de aprendizagem, muitos não terão o material escolar necessário, o professor também não terá todo o material de trabalho de que ele precisa para desempenhar bem sua função. É grande a falta de professores, poucos aceitam a tarefa de trabalhar em uma comunidade de risco e muitos dos que aceitam acabam desistindo e mudando de escola assim que surge a oportunidade.
O professor que insiste em continuar tentando precisa ser apoiado, estimulado e motivado constantemente. Escrevo esse artigo não porque penso que o amor resiste a tudo e é a chave para a transformação, mas escrevo porque estou nessa realidade, e vivencio todos os dias as barreiras e as dificuldades de estar lá. Como professora tenho muitas feridas, muitas dores e amarguras e já pensei em desistir muitas vezes. Já me senti como diz Ramos (2010, p. 32), “em uma luta muito forte e infrutífera”. Não fui tratada das melhores maneiras pelos meus superiores, colegas de trabalho e pais estressados e cansados da luta, alunos já agiram com agressividade comigo, já fui furtada na minha sala de aula, todos os meses gasto do meu bolso para comprar material de trabalho para mim e para as crianças e crio desentendimentos em casa por isso, existem fases de extrema desmotivação onde percebemos que estamos lutando sozinhos. Mas sempre que eu me pergunto se vale a pena desistir eu penso se alguém assumiria meu papel e amaria meus alunos da mesma forma, eu penso no quanto poderia prejudicar meus alunos se fosse mais uma a abandoná-los. Então não escrevo esse artigo como uma professora consciente da vitória, mas como uma professora que se reconstrói a cada dia, que chora a cada dia, que pensa em desistir a cada dia, que tem medo de não dar conta, mas que também a cada dia renova suas forças e seus ideais.
Se essa escola e professores não forem assistidos como precisam, se tornarem-se carentes como a comunidade dificilmente se conseguirá a transformação pretendida. Mas se pelo contrário, a escola for pensada e planejada para atingir positivamente a comunidade, se contar com uma equipe forte, com compromisso político e que lute junto à escola pela comunidade e se for constantemente assistida pelos poderes públicos tendo supridas todas as suas necessidades, sim a transformação poderá acontecer.
Então haverá na comunidade, além de organizações preocupadas com a saúde e alimentação, uma escola que atuará na formação de sujeitos críticos, de cidadãos preocupados e compromissados em melhorar o meio onde vivem. A escola trabalhará agindo e transformando seus alunos e indiretamente suas famílias. Assim como a violência e as drogas podem ser contagiantes a transformação também pode ser. É essa a esperança que temos. Alunos conscientes darão inúmeros bons exemplos e esses serão admiráveis e muito provavelmente seguidos.
Ao invés de adaptar o aluno na realidade e nas situações precárias em que ele pode se encontrar, a escola precisa construir com ele mecanismos que facilitem sua jornada e possibilitem sua inserção e vivência social de maneira digna e transformadora. A escola precisa intencionar que seus alunos vão além de seus condicionantes, que tenham cede de conhecimento e que busquem e aproveitem oportunidades que possam abrir novos caminhos em sua vida. “[...] uma escola em que o aluno se veja como sujeito incluído e participante de uma comunidade” (RAMOS, 2010, p. 30).
Palavras de Freire (2006, p.26) afirmam isso quando nos traz que “o educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão”. O educador precisa levar o educando a pensar sua realidade, pensar o porque de as coisas serem assim, sonhar como gostariam que as coisas fossem e juntos traçar caminhos e ações que podem levar a realidade almejada. O autor apresenta em seu discurso um pensamento a respeito que vale ser mencionado:
 
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é proporcionar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se como ser social e histórico. Como ser pensante, comunicante, criador, realizador de sonhos. (Idem, p.41).
 
Trabalhar em sala de aula não levando em consideração a realidade em que os alunos se encontram, não buscando compreender a problemática de suas vidas e não fazendo um trabalho educativo que intencione transformar essa realidade é trabalhar em função dos obstáculos. É gerar uma acomodação que leva ao conformismo, é formar sujeitos que nunca serão contentes com sua realidade, mas que nada farão para mudá-la, pois acreditarão que as coisas precisam ser assim e não podem ser de outra maneira. “[...] o autêntico educador, como um ser humano que constrói, pedra sobre pedra, o projeto histórico de desenvolvimento do povo. Um ser junto com os outros, conscientemente, engajado no fazer a história.” (LUCKESI, 2005, p. 25).
Cada professor que leciona em uma escola com essas necessidades precisa ter constantemente em sua prática um discurso transformador, até porque seus conteúdos precisam ser pensados em prol dessa transformação. “[...] um educador comprometido com um projeto pedagógico, tradutor e executor de um projeto histórico de desenvolvimento do povo”. (LUCKESI, 2005, p. 32). É fundamental o compromisso com a evolução dos alunos e com a constante transformação do ambiente social onde estão inseridos estes e a escola é responsabilidade ética do professor em sua ação docente. De acordo com Freire (2006, p. 24) “inexiste validade no ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado”.
Paulo Freire (2006, p. 15) também ressalta a importância de vermos nossa prática educativa como prática formadora. Aulas dadas e conteúdos passados com a mera intenção de transmissão de saberes acabam não trazendo grandes ganhos à vida do aluno. Conteúdos e atividades administrados em sala de aula precisam ser pensados objetivando mudanças de atitude, ampliação na visão de mundo, vivência dos novos conhecimentos e saberes que após apreendidos aflorem no aluno a vontade de compartilhá-los. Confirmando essa ideia em Freire (2006, p. 22), temos que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”.
“A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo.” (FREIRE, 2006, p. 22). Até porque como diz o autor “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. (Idem, p.39).
Para haver transformação é necessário estar internalizado e aceito a necessidade da mudança. Não há transformação se as coisas forem feitas simplesmente porque alguém disse que precisava ser feito de determinada forma. Há transformação quando eu vejo que as coisas precisam ser mudadas e quando eu percebo os benefícios disso.
Freire (2006, p. 28) nos traz a ideia do “pensar certo”, o professor precisa pensar certo e precisa ensinar seus alunos a pensar certo. “O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas da nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos é a capacidade de intervindo no mundo, conhecer o mundo”. Ensinar a pensar certo também inclui levar em consideração tudo o que o educando traz consigo em sua bagagem de experiências. Os novos conhecimentos partem dos que o educando já possui. Não levar isso em consideração dificultará a aprendizagem do aluno, pois esse achará tudo muito difícil e acabará sentindo que essa nova aprendizagem é algo que ele não precisa ou não conseguirá aprender. Freire (2006, p.29) nos contempla com um pensamento a esse respeito:
 
Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo da sua necessária superação quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a consciência crítica do educando cuja ‘promoção’ da ingenuidade não se faz automaticamente.
 
Muito interessante o que foi dito na citação a cima no que se refere ao respeito à capacidade criadora do educando. Às vezes não damos margem para que os educandos possam criar e expressar as coisas que ele tem vontade, trazemos muitas coisas prontas deixando para o aluno simplesmente completar ou preencher lacunas. E às vezes também subestimamos nossos alunos, pedimos deles pouco, quando eles podem ter muito a oferecer. Se barrarmos agora sua criatividade, sua liberdade de pensamento, muito provavelmente ele não conseguirá se expor futuramente quando precisar.
 
 
4 A ATUAÇÃO DOCENTE PERMEADA PELO AMOR À PROFISSÃO, DEDICAÇÃO E COMPROMISSO COM A EVOLUÇÃO DO ALUNO
 
 
Utilizarei a citação abaixo para dar início ao pensamento sobre a atuação docente:
 
O nascimento do pensamento é igual ao nascimento de uma criança: tudo começa com um ato de amor. Uma semente há de ser depositada no ventre vazio. E a semente do pensamento é o sonho. Por isso, os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos. (ALVES, s.d.)[1]
 
O professor acaba tendo o sonho presente em praticamente toda sua trajetória. Ele um dia sonhou quando pensou em ser professor, um dia ele brincou de escolinha com seus bichinhos de pelúcia e sim, desejou que estes fossem alunos de verdade. Sonhou em usar guarda-pó e corrigir cadernos. Após realizar esse sonho o professor se vê como responsável intermediário pela realização de sonhos de ao menos uns trinta alunos por ano. E isso é algo bastante delicado, o professor precisa saber. Com um simples ato podemos alimentar os sonhos ou acabar por destruí-los. E como diz Ramos (2010, p. 26), “a ciência se constrói não somente pela pesquisa, mas pela ousadia dos que sonham”. Então estejamos prontos para valorizar os nossos sonhos e os dos nossos alunos.
Feliz aquele que consegue perceber a beleza e a grandeza do ato de ensinar. Ensinar é um ato de amor, “não se pode fazer educação sem paixão”. (LUCKESI, 2005, p.28). Quando eu ensino eu ajudo, eu dou possibilidade de crescimento e de conhecimento, eu abro caminhos. E como Freire (2006, p. 23) diz “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém”. Grandiosos são os ensinamentos de Paulo Freire. Suas palavras embelezam a educação. É alguém se sempre demonstrou ser apaixonado pelo educar. Profissionais apaixonados fazem ou simplesmente cometem grandiosidades na vida dos seus alunos. Não medem esforços, procuram fazer bem seu trabalho e querem ver seus alunos realizados e felizes.
Segundo Freire (2006), aprender criticamente é possível. Não precisamos mais encher o quadro para que nosso aluno aprenda, podemos conversar, podemos jogar e brincar e sim ele pode falar, rir, opinar e criar. Muitas vezes nossos próprios alunos nos mostram como ensiná-los, eles nos dizem o que gostam e como gostam, basta que saibamos aproveitar esse interesse puro e ensinar com as ferramentas boas e simples que eles nos propõem.
 
Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade. (FREIRE, 2006, p. 24).
 
Quando nós exercemos nossa profissão pensando no mais além de apenas transmitir conteúdos já estamos exercendo nosso compromisso político, o compromisso com o aluno, com a escola e comunidade. Ser um bom professor não é apenas cumprir o currículo e garantir que os alunos aprendam, é intencionar que esses conteúdos possam melhorar de alguma forma a vida do aluno.
O professor comprometido não se satisfaz e não aceita apenas passar a limpo o caderno de planos do ano anterior, não fica limitado apenas no que propõe a ementa de conteúdos. Ele quer saber mais e ele também quer ensinar mais. Ele quer mostrar aos seus alunos tudo que ele sabe e aprende de bom. O conhecimento vale ouro e quando compartilhado pode se transformar em uma riqueza sem fim. Compartilhar o conhecimento é permitir que os outros enxerguem o mesmo horizonte que nós e ficar feliz por vê-los felizes por isso. Freire (2006, p.29) nos contempla com um pensamento importante sobre a importância do professor querer aprender mais para poder ensina mais e melhor:
 
Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.
 
O professor muitas vezes não faz ideia da importância que tem na vida dos alunos. É algo muito maior do que um simples exemplo, é segurança, confiança é amor. Nossos alunos conseguem nos amar tão rapidamente e com um amor tão puro que seria até um crime não amá-los da mesma forma, ficarmos indiferentes perante suas necessidades, seu sofrimento, seus medos e angústias.
 
Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo. (FREIRE, 2006, p.42).
 
Penso que lecionar em uma comunidade de risco não foi obra do acaso, não são somente dificuldades e desafios, não são somente problemas. Aprender todos os dias, receber um amor puro e incondicional, ser feita importante pelos meus alunos são conquistas que justificam o meu “estar ali”.
 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
 
Educar é um ato grandioso. Professores são anjos na terra escolhidos por Deus para proteger, amar, ajudar, cuidar, ensinar e se fazer presentes na vida das crianças. E esses anjos têm como gratificação amor puro, imenso e verdadeiro.
Escolhi falar da profissão professor em uma comunidade de risco por ser onde me encontro e por sentir vontade de falar sobre isso, de expor minhas angústias e esperanças. E penso ser nesse tipo de experiência que se revela o amor à profissão e a força interior de cada profissional.
Em comunidades de risco encontramos muitas coisas que acabam revoltando a nós, sujeitos acostumados a cumprir com nossos deveres, a colaborar com a sociedade e usufruir disso. Mas se pararmos para pensar que as crianças não têm culpa disso, que elas são fruto muitas vezes de uma família desestruturada, sem valores, sem costumes que favorecem a qualidade de vida, e acabam refletindo em suas atitudes as experiências que vivencia em casa. Muitas delas têm na escola a única chance de acesso ao saber, à cultura, à troca de boas experiências.
As conquistas são mais demoradas, às vezes sentimos que as coisas não caminham, que não saímos do lugar e vamos nos desmotivando. Mas cada mudança percebida, por menor que seja, é uma vitória imensa, sentida não só pelos agentes responsáveis pelo ensinar, mas também por aqueles que aprendem.
Agradeço a Deus por todas as crianças que já passaram por mim, por todas que já me colocaram em seus corações, que me entregaram seus medos, seus sonhos. Não são só os alunos que ganham com essa história de amor. Eu participo dessa história e sou imensamente feliz com todo amor que recebo, minha vida pessoal melhora quando busco melhorar a deles.
Professores não desistam de seus alunos, não abandonem o barco, busquem forças, busquem o sonho que embalou sua vontade de ser professor. Os alunos precisam de vocês e agradecem por isso. Creio que nada acontece por acaso, lecionar em uma comunidade carente e cheia de obstáculos não é castigo, é oportunidade. Oportunidade de ser amado, de crescer, evoluir e ajudar. Quando ajudamos alguém, ajudamos na verdade a nós mesmos.
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REFERÊNCIAS
 
ARPINI, Dorian Mônica. Violência e exclusão: adolescência em grupos populares. São Paulo: EDUSC, 2003.
 
CHALITA, Gabriel. Pedagogia do amor: a contribuição das histórias universais para a formação de valores das novas gerações. 8.ed. São Paulo: Gente, 2005.
 
FONTE, Patrícia Lopes da. Rubem Alves. Educação infantil. São Paulo:Minuano, n.27, p.48, s.d.
 
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 34. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
 
LUCKESI, Cipriano Carlos. O papel da didática na formação do educador. In: CANDAU, Vera Maria. (Org.). A didática em questão. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. p. 25-34.
 
RAMOS, Paulo. Como tornar-se um professor inesquecível na metadisciplinaridade? 7.ed. Blumenau: Odorizzi, 2010.
 
 


[1] Citação retirada da reportagem sobre Rubem Alves feita por Patrícia Lopes da Fonte para revista Educação Infantil da editora Minuano referenciada no campo específico no final deste artigo.